Entrevista a Margarida Paredes

E para começar o ano em grande, nada melhor do que fazê-lo com uma entrevista.
A minha convidada esta semana é Margarida Paredes, autora do livro "Combater duas vezes", a quem agradeço desde já a disponibilidade com que respondeu às minhas perguntas.

HT: A Margarida nasceu em Coimbra, estudou na Bélgica e acabou por abandonar o curso e ir para Angola lutar pela independência. O que a levou a Angola?
Margarida Paredes: Eu sou uma filha do Império Colonial, cresci entre as colónias e a Metrópole e fui testemunha da Guerra Colonial e da repressão da ditadura de Salazar, cheguei a ser detida pela polícia política, PIDE, em Angola com 17 anos. Quando me defini como pessoa escolhi passar para o lado africano, para o lado dos oprimidos e dos explorados, para o lado que eu considerava justo porque os angolanos lutavam contra a ocupação colonial portuguesa e pela independência do país, por isso aderi ao MPLA em 1973 quando tinha 19 anos.  

HT: Lançou o seu primeiro livro, “O Tibete de África”, em 2006. Como surgiu a ideia deste livro? 
Margarida Paredes: Com a edição de 2006, “O Tibete de África” foi o primeiro romance que surgiu sobre os denominados “retornados” das ex-colónias. Mais recentemente o livro brilhante de Isabela Figueiredo, “Caderno de Memórias Coloniais” ou o livro de Dulce Maria Cardoso, “O Retorno” deram continuidade a uma temática que iniciei com essa obra, ou seja a descolonização na literatura. Foi a romancista e académica Raquel Ribeiro que notou que, enquanto os homens escrevem sobre a guerra colonial, as mulheres escrevem sobre a descolonização, o que é muito interessante. Também foi o primeiro livro da literatura portuguesa a narrar uma relação sentimental inter-racial, entre uma mulher branca e um homem negro, numa base de igualdade social, dado que os protagonistas são os dois engenheiros numa grande empresa de telecomunicações. O livro já vai na 3ª edição, desta vez editado pela Verso da História e é uma história que se lê de um fôlego.

HT: Recentemente lançou “Combater Duas Vezes: Mulheres Na Luta Armada Em Angola”. Trata-se um retrato da sua experiência em Angola?
Margarida Paredes: O livro “Combater Duas Vezes” é um ensaio, resultado da minha tese de doutoramento em Antropologia no ISCTE, IUL e de um trabalho de seis anos dedicado às mulheres ex-combatentes angolanas e às suas memórias de guerra. Realizei o Trabalho de Campo em Angola durante um ano, em 2010/2011, e percorri várias províncias daquele vasto país. Entrevistei mais de 100 guerrilheiras, mulheres-soldado e mulheres polícias de todas as formações militares que participaram nos conflitos da Angola contemporânea, ou seja desde 1961 a 2002. Cada história individual destas ex-combatentes resgata um palimpsesto de memórias que contribui para a História esquecida das mulheres angolanas. Historiografia que foi assim revisitada e reescrita através da narrativização das mulheres ex¬ combatentes, tendo-me cabido o papel de interpretar e contextualizar as suas narrativas. Um dos aspetos que é importante realçar neste livro é que é uma versão do “outro” lado da história, isto é, é o ponto de vista africano das guerras e, no que diz respeito à Luta de Libertação nacionalista, muito diferente da versão da guerra colonial que instituiu em Portugal a hegemonia de uma “história única” ancorada na história política colonial e nas memórias dos militares das Forças Armadas Portuguesas. Antes de mim, ainda ninguém tinha ido perguntar às mulheres angolanas o que elas tinham a dizer sobre as guerras em que participaram.

HT: Para terminar, quer falar-nos um pouco dos seus projectos futuros?
Margarida Paredes: Gostava de ter tempo para terminar um romance pós-colonial que comecei mas vivo em Salvador, trabalho na UFBA, Universidade Federal da Bahia, dou aulas e faço pesquisa com mulheres afrodescendentes da Polícia Militar de Salvador da Bahia e não sei se vou ter tempo. 



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